quarta-feira, 11 de abril de 2012


Ministros do STF votam sobre a  interrupção de gravidez de anencéfalos

Em um julgamento que pode se estender pela quinta-feira (12), três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram nesta tarde a favor da ação que visa descriminalizar a interrupção de gestações de anencéfalos. O julgamento continua na mais alta corte do país e mais sete ministros irão se pronunciar. O próximo a falar é Luiz Fux, e apenas Dias Tóffoli não deve participar, porque já tratou do caso quando era advogado-geral da União.
Relator da ação no STF, o ministro Marco Aurélio de Mello afirmou que dogmas religiosos não podem guiar decisões estatais e fetos com ausência parcial ou total de cérebro não têm vida. A ministra Rosa Maria Weber admitiu que conceitos científicos são mutáveis e considerou que anencéfalos podem sobreviver por meses – o que médicos negam. Mas acabou votando a favor da interrupção da gravidez nesses casos "porque não está em jogo o direito do feto, mas sim da mulher".
Ao contrário do que defendem entidades religiosas, o relator afirmou que o feto anencéfalo não tem como viver. "Hoje é consensual no Brasil e no mundo que a morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro não tem vida", disse. "Aborto é crime contra a vida em potencial. No caso da anencefalia, a vida não é possível. O feto está juridicamente morto."
Weber afirmou que não há garantia de que os conceitos científicos sobre o que é um feto anencéfalo sejam estáveis. Ela relatou ter sido visitada por Marcelo e Joana Croxato, pais de Vitória, que sofre de acrania, uma má formação diferente da anencefalia. A ação proposta em 2004 no Supremo trata exclusivamente de acencéfalos.
“Nem a ciência tem o controle de todos os seus conceitos”, disse a ministra. “Plutão por muitos anos do século 20 foi considerado um planeta e depois deixou de ser. Quem diria que uma área de conhecimento como a astrofísica poderia recorrer a uma convenção mundial para usar um conceito como o de planeta?” Até o perfil do STF no microblog Twitter considerou inicialmente que o voto da ministra era divergente do de Marco Aurélio, mas depois ela passou a concordar com o relator.
Em um voto curto, o ministro Joaquim Barbosa acompanhou o relator e remeteu a decisões antigas que já tomou na corte.
Estado laico e religião
O ministro reforçou a separação entre Estado e religião ao citar o “sob a proteção de Deus” do preâmbulo da Constituição Federal como uma referência sem efeito prático e criticou as referências em notas de real e em repartições públicas. Mello afirmou que a questão dos anencéfalos “não pode ser examinada sob os influxos de orientações morais religiosas”.
“A garantia do Estado laico obsta que dogmas de fé determinem o conteúdo de atos estatais. Concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada”, disse. “Ao Estado brasileiro é vedado promover qualquer religião.”
Segundo o relator, a polêmica era prevista, porque  é “inescapável o confronto entre os interesses da mulher e de parte da sociedade que desejam proteger todos os que a integram”. “[Mas] não há colisão real entre direitos fundamentais. Apenas há conflito aparente”, disse Mello, o primeiro ministro a se manifestar nesta quarta-feira.
Diante do Supremo, um protesto reunia cerca de 30 religiosos ligados a grupos anti-aborto. Diante da polêmica com esses grupos, o relator citou o evangelho de São Marcos para defender a separação entre Estado e Igreja. “Dai a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus”, afirmou Marco Aurélio.
Para o ministro, defender o Estado laico não se confunde com laicismo. “A laicidade é atitude de neutralidade do Estado. Laicismo é atitude hostil”, disse. “Deuses e Césares têm espaços apartados. O Estado não é religioso. Tampouco é ateu. É simplesmente neutro”, afirmou.
A ação chegou ao STF em 2004, por sugestão da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). A entidade defende o aborto quando há má formação cerebral sem chance de longa sobrevivência para a criança. Para grupos religiosos, incluindo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o princípio mais importante é o de que a vida deve se encerrar apenas de forma natural.
Mas há controvérsias de que o bebê anencéfalo de fato vive – mesmo que brevemente. Juristas, que autorizam a interrupção de gestações desse tipo há mais de 20 anos, alegam que legalmente a vida termina na morte cerebral. É apenas depois disso que são autorizados os transplantes e o desligamento dos aparelhos.
Os anencéfalos nunca chegam a ter vida cerebral. É por isso que os especialistas inclusive são contrários ao uso do termo "aborto" - preferem usar "interrupção da gravidez" ou "antecipação do parto".
Os críticos dessa visão veem no julgamento uma tentativa de abrir as portas para todos os tipos de aborto, como defendem entidades feministas, inclusive de dentro da Igreja Católica. De acordo com uma pesquisa do instituto Datafolha, em 2004 havia 67% de paulistanos favoráveis a interromper a gravidez de bebês com anencefalia.
Será o último grande julgamento da Corte sob a presidência do ministro Cézar Peluso, que se aposentará compulsoriamente em setembro, quando atingirá a idade limite de 70 anos de idade. Carlos Ayres Britto o sucederá a partir do dia 19 de abril. É também o segundo mais importante assunto na pauta deste ano, que ainda deverá ter nos próximos meses o julgamento dos citados no escândalo do mensalão.
Sobre anencefalia
A anencefalia causada por um defeito no fechamento do tubo neural (estrutura que dá origem ao cérebro e à medula espinhal). Ela pode surgir entre o 21º e o 26º dia de gestação. O diagnóstico é feito no pré-natal, a partir de 12 semanas de gestação, inicialmente por meio de ultrassonografia. Entidades médicas afirmam que o Brasil tem aproximadamente um caso para cada 700 bebês nascidos.
A grande maioria das crianças que nascem sem cérebro morrem instantes depois. Além de carregar no útero um bebê fadado a viver possivelmente por alguns minutos, as mães ainda têm de lidar com a burocracia de registrar o nascimento e o óbito no mesmo dia. Alguns juízes já autorizaram abortos desse tipo. O advogado da CNTS na ação, Luis Roberto Barroso, classifica a gravidez de anencéfalos de “tortura com a mãe”.
Os críticos do aborto de bebês nessa situação citam um caso de 2008 em Patrocínio Paulista, interior de São Paulo. Marcela de Jesus Ferreira sobreviveu um ano e oito meses porque a ausência de cérebro não era total e porque sua mãe, Cacilda Galante Ferrari, se recusou a interromper a gravidez.
 
Fonte: Repórter Do UOL, em Brasília Maurício Savarese.

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